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Toxidependência das finanças públicas
Mário
Vieira de Carvalho
"Os cartéis da banca tornaram-se a maior
ameaça com que se debatem actualmente países e governos do mundo inteiro. Foi
nisso que deu a embriaguez, sem regras, da globalização. Tal como os cartéis da
droga, os cartéis da banca geram o tráfico, os traficantes e a
toxicodependência.
Já era conhecida a promiscuidade que torna
impossível distinguir as linhas de fronteira entre os interesses de uns e de
outros (além do mais, a cocaína é coisa que jamais escasseou entre os
executivos de Wall Street!). Mas o que está agora em causa é muito mais do que
isso: é a transposição para o sector financeiro da mesma lógica que rege o
tráfico de droga. Com a agravante de o efeito letal para a humanidade ser muito
mais profundo e global. Comparados com os traficantes da banca, os traficantes
de droga não passam de uns pobres diabos. Nunca, como hoje, se comprovou tão
flagrantemente o verso de Brecht, segundo o qual - considerada a dimensão do -
o assalto a um banco nada é, com a fundação de um banco!...
Com efeito, os cartéis financeiros que hoje
dominam o mundo conseguiram em poucos anos não só agravar a fome e a miséria
onde elas já existiam, como também expropriar do património, do emprego, da
esperança de vida, do futuro, milhões de famílias. São os motores de um
conceito de crescimento que exaure os recursos naturais, destrói os
ecossistemas e compromete perigosamente a longo prazo a viabilidade da própria
vida humana. Capturam o poder político e põem-no a trabalhar para os seus
negócios especulativos milionários. Forçam-no à suspensão da democracia e das
garantias constitucionais, em nome duma nova prioridade absoluta imposta aos
Estados: servir os interesses da banca. Eis em que consiste a chamada
"crise das dívidas soberanas".
Quem confessa o crime são os próprios cartéis da
finança, que encontraram o nome certeiro para o material que traficam:
"produtos tóxicos". Inicialmente destinava se a conter os estragos da
chamada "bolha imobiliária", mas hoje é claro que se aplica a um largo
leque de operações de engenharia financeira.
Transferidos da posição de pequenos e médios
funcionários dos grandes bancos internacionais para gestores de empresas
públicas, secretários de Estado e ministros, aqueles que ontem vendiam passam
agora a comprar. Só o negócio, os beneficiários e os patrões é que não mudam.
Este estado de coisas inscreveu-se de tal modo no
senso comum como uma espécie de "segunda natureza" que ninguém - nem
mesmo gente acima de toda a suspeita, bafejada pela sorte - assume qualquer
espécie de escrúpulo quando é confrontada com a possível incompatibilidade
entre as responsabilidades do governo e a suspeita de favorecimento
("capital económico" acumulado graças a "capital social").
Eram operações "normais", dizem, agora apenas salpicadas pela lama da
gestão danosa que veio depois... Mas, enquanto os ganhos foram privatizados, os
prejuízos foram "nacionalizados", repartidos pela generalidade dos
cidadãos... Assim se fazem as coisas.
O próprio Tribunal de Contas não escapa a esta
enxurrada que arrasta consigo o que restava dos valores do bem comum e do
serviço público. Não perde uma ocasião para lançar dúvidas sobre a
sustentabilidade do Estado social - como ainda recentemente se viu a respeito
de uma "derrapagem" de 80 milhões na Saúde. Mas não se lhe ouve um
balbúcio quando o chamado "Ministério" das Finanças paga 480 milhões
de euros aos gigantes da banca pela "ajuda à colocação dos títulos de
tesouro" nos "mercados": seis vezes mais do que a
"derrapagem" na Saúde e mais de metade do que se pretende cortar nas
pensões! Estas é que são as "boas contas"
conformes à Constituição da República?"